quarta-feira, 4 de março de 2009

Cartas para o velho continente - 1ª parte

[Começar uma carta sempre foi um problema para mim. Acredite ou não, para escrever somente esta primeira frase, demorei uns bons dez minutos. Hum, assim não ficou bom. E se eu mudar a ordem… não, não, piorou. Talvez se eu perguntar logo de cara como ela está. Estranho, parece um tanto vazio. E agora?

De tão importante, o começo sempre se mostra mais difícil do que a gente espera. Lembro que nos meus 6 ou 7 anos, a professora de português queria nos ensinar a escrever uma carta. Em um sorteio, peguei o nome de uma menina que nunca tinha falado na vida. Sim, a frase soa ambígua mas é isso mesmo: além de mal conhecer a garota, ela tinha uma doença e era muda.

Infelizmente, não sabia qualquer palavrão na ocasião. Caso contrário, teria questionado a professora como caralho eu começo a escrever uma carta pra alguém que eu nunca falei na vida e que não consegue me dizer nada.

Ainda bem que a sinceridade de criança sempre vem acompanhada de uma inocência imensurável. Então, tudo o que fiz foi encarar a folha de almaço por meia hora sem achar palavra alguma que coubesse ali. A professora avisou que tínhamos mais quinze minutos. Envergonhado de dizer que não tinha escrito nada e apavorado por ter que fazer alguma coisa, botei no papel a primeira frase que me veio na cabeça.

Bianca,

Nunca ouvi sua voz, mas sei que, se você pudesse falar, ela seria linda.


No tempo que me restava, fiz o que era possível para um garoto de 7 anos. A professora passou recolhendo, o barulho dos pesados tamancos ecoando pela sala. Pega a folha, lê o começo, guarda no fichário e anda até o próximo aluno. De novo. E de novo. E mais uma vez, agora com um elogio para algum futuro médico ou engenheiro.

Movimentos compassados, o tamanco vem batendo no taco e, adivinhem, descompassa em mim. Acho melhor você mudar o começo e me entregar amanhã, Gustavo, sussurra. Sim, senhora. Em casa, minha mãe me explica que eu devia ser mais delicado. Bobeira, é claro que não entendi na época. Para falar a verdade, ainda hoje acho que este foi o melhor começo de carta que já escrevi. Aliás, com algumas mudanças, é perfeito para esta ocasião.

Então, que assim o seja.]

Há meses que não ouço sua voz, quase uma eternidade. Mesmo assim, lembro perfeitamente como ela é linda - aquela timidez escondida, quase suprimida pela mulher que quer dar vazão às próprias opiniões, sublime como a de alguém que não carrega maldade.

Sabe, ao menos nos meus sonhos, ainda consigo te ouvir.

3 comentários:

Anônimo disse...

UAU!

Chorei!

Unknown disse...

Como você consegue se superar tanto assim a cada post?

Só me faz olhar mais para a janela.

Anônimo disse...

Será que agora eu consigo um comentário com um nome decente?

Cinco palavras adicionadas, que fizeram a diferença na última linha.